domingo, 29 de março de 2009

a página em branco


Escrevo, sem pensar, tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi."
(Mário de Andrade)

É por isso, meus caros meia dúzia de leitores, que demoro muito a colocar os poemas nesta mal traçada página. Poema não é pipoca nem caldo de cana, que rapidinho se produz.

domingo, 15 de março de 2009

minh'avó


foto Henri Cartier-Bresson

Minh’avó caminhava pela grande casa.
Minh’avó muito pequena, até um dia desses,
caminhava pela grande casa.
Continuava com seus passos
seu cansaço
seus laços.


Minh’avó alterou a lei da física:
carregava no seu espinhaço tão frágil
décadas décadas décadas
datas datas datas
dias dias dias
carregava festas
aniversários
e algumas compras
carregava guerras
revoluções
e algumas brigas.

Teimosa, não se dava conta de toda essa carga
e olhava pela janela
o automóvel na rua
a moça na calçada
e ninguém mais em direção à igreja.


(do livro “Trem da memória”)

quinta-feira, 5 de março de 2009

apartado

foto Jean-Sebastien Monzani

A distância nos dá medo
quando as coisas estão paradas.

É por você estar longe
e não ter previsão alguma do tempo
que o presente continua sobre a mesa.

O mundo parece inútil
nesse pedaço em que não posso tocá-la.
Deve ser impressão desfocada dos olhos
ou sua ausência é uma eternidade em mim e na sala.

Há um telefone, uma porta e meus passos contidos.
Para cada lado o espaço para se medir.
O coração achará em algum canto as chaves e os motivos
para lhe encontrar na volta em vez de partir.

O medo nos distancia
das coisas em movimento.

(do livro “Poesia provisória”)