quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

respirando poesia

No final do livro "Música", do excelente poeta maranhense Celso Borges, um texto a pretexto de um posfácio biográfico diz que "ele sabe que se não escrever, morre".

Ontem o poeta esteve falando, cantando, respirando seus poemas na Livraria
Sebinho, Brasília, no projeto "Da palavra ao verso", mediado pelo meu amigo, o ator Adeilton Lima. Talento, simpatia, e, sobretudo, simplicidade, envolviam como uma aura aquele moço cinquentão diante das pessoas magnetizadas por seus versos. É disso que sobrevive a alma do poeta: de escrever e do ato que se completa do outro lado em ser lido e ouvido. Se não, morremos. Sucubimos sem mais e com muito menos. Como poeta, sei disso. Respirei um pouco-muito do oxigênio de Celso na sua apresentação, ao ouvir sua poesia, ao me alimentar de seus versos, ao receber sua dedicatória no livro. Há beleza, sim, ao redor do nosso dia a dia. Mas a tristeza é senhora desde que o samba é samba. Por isso, Celso, cantando sua música eu mando essa tristeza embora. Abraçaço!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

per si


Não quero seu verso enteado
na minha poesia.
Não se meta onde é chamado.
Faça de conta
que não escuta os meus apelos
e me deixe encontrar
esse endereço errado.

Quero o meu desencanto legítimo
e esse beijo desfazendo a azia.

Não me venha com tradução simultânea
para música que me castiga.
Não me meta onde sou cantado.
Faça de conta
que não entende esse estrangeiro
e me deixe desencontrar
esse futuro passado.

Quero o ronco do meu íntimo
e este coração que a alma mastiga.

(do livro "Poesia provisória")

terça-feira, 30 de outubro de 2012

de mãos dadas com Drummond

No meio do meu caminho tinha O poeta: Carlos Drummond de Andrade.

O primeiro poema que li ainda me alfabetizando foi "Mãos dadas". Aqueles versos serviram-me como guia, "o presente é tão grande, não nos afastemos...", como uma cartilha pa
ra aquele menino despertado pela poesia, "o tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente." Desde então, vim de mãos dadas com Drummond. Nenhum outro poeta me influenciou tanto nas minhas inquietações quanto ao sentimento do mundo: Pessoa, Bandeira, Cecília, Régio, Quintana, Gullar,
Manoel de Barros, Cabral, Faustino Whitman, Eliot, Rimbaud, todos eles entenderam minhas idas a Itabira.


Quando publiquei o meu primeiro livro, "Roteiro dos pássaros", em 1981, todos os capítulos foram abertos com epígrafes de versos de Drummond. Não tinha outro jeito, foi muito natural, e definia bem a minha poesia aprendiz. Meu amigo poeta Márcio Catunda tinha o contato de Drummond no Rio de Janeiro, aliás, tinha até foto com ele, o que me deixava cheio do quinto pecado... E eu lá me importava com isso! Mandei o livro para o meu mestre. Dias depois tive uma das maiores alegrias da minha vida: uma carta de Drummond! Um envelope com meu nome, meu endereço subscrito, um cartão personalizado com sua letra miúda agradecendo-me o exemplar, a honra dos epígrafes, e o elogio reescrevendo um verso meu. A gesto de Drummond foi o melhor poema que não escrevi.

Amanhã ele faria 110 anos. Algumas comemorações se espalham por aí. No Rio haverá um recital em frente a estátua no calçadão em Copacabana. Aqui em Brasília, na livraria Sebinho, 406 Norte, poetas referenciarão o poeta maior. Estarei lá, Drummond, sempre grato por suas mãos dadas, "nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas."

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

dados pessoais


O que me dói é a saudade do menino
e o desencontro com o homem...

...


Sou o encontro de duas vogais

                          entre o menino que se foi
                      e aquele senhor que se aproxima.


(Versos do meu poema "Dados pessoais", do livro "Roteiro dos pássaros", 1980. Para a criança que fomos, que temos em casa, e que sempre seremos)

sábado, 15 de setembro de 2012

galope

O corpo do homem
é um cavalo
onde
a alma põe a sela
e dispara no mundo
- o galope da existência
é um fato mágico
um mistério profundo
uma revolução eterna.
 
As esporas dos dias
atiçam o meu corpo
pelo sertão do mundo
e com as rédeas dos braços
cavalgo
pela trajetória contínua do sol
com a vida ferrada
nos olhos 
e os segredos nos alforjes do peito.
 
Jogado no mundo
não há como se escapar:
todo passo 
é decisivo
todo caminho
dá para o norte
todo corpo
é um gibão sobre a alma
toda a vida
é o lado externo da morte
todo peito
é um roçado
para toda safra
ser das rosas.
 
(do livro "Roteiro dos pássaros, 1981)
 

sábado, 25 de agosto de 2012

ventania

Ricardo Augusto musicou belamente meu poema "Ventania", Lúcio Ricardo gravou belamente com sua voz.  A felicidade é isso, também. É ver, ouvir um texto que se escreveu sem necessariamente com o propósito de musicá-lo, e depois, ouvir esse texto em melodia, devidamente colocado em suas pontuações e sentimentos expressos. Eu não sou um letrista para canções. Sou apenas um poeta e escrevo poema como quem parte. A poesia tem sua musicalidade. E quando um poema já com seu corpo definido ganha uma melodia ele se engrandece como quem ganha uma alma, uma outra essência, ele ganha outra beleza de leitura, ele se duplica. E se triplica na audição de terceiros, para quem no fundo um trabalho é direcionado: para todos. Depois que Ricardo Augusto musicou esse poema, publicado no meu primeiro livro, "Roteiro dos pássaros", de 1981,  leio como se ele tivesse renascido sem nunca ter findo. O artista é finito, a arte atravessa o mar, amplia-se no tempo. A arte é maior. A voz de Lúcio Ricardo sobre meu poema dá a ele uma autoria, porque no momento que ele interpreta reescreve o poema que Ricardo Augusto musicou, que pari num momento da minha vida tentando entender o que os meus olhos miravam. "Ventania" agora não é mais meu, é também dos dois Ricardos.
 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

transitivo

foto Bogdar Jarocki

A minha fala
só é
fala
quando
muda.
A minha fala
não é
fala
quando não move.
- aí
ela é muda.


A minha mudez
só é
mudez
quando
fala.
A minha mudez
não é
mudez
quando
não estala
- aí
ela cala.
(do livro “Roteiro dos pássaros – remixado”)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

dia de tudo

 foto Mila Petrelle 

Hoje, 25 de julho, diz uma folhinha que é o Dia do Escritor. Para mim, todos os dias são dias de todos e de tudo. Hoje, por exemplo, é aniversário do meu cunhado, que não é escritor. E eu tenho essa mania de escrever, mas hoje não é meu aniversário.

Um dia comemorativo é bom para lembrar que todos os dias são comemorativos, pelo trabalho, pelo ofício, pelo sacrifício, pelo desejo, pelo prazer, pelo apego, pela ausência, pelo esperança, pela saudade.

E pra não dizer que não falei de versos, deixo aqui a todos nós que nos debulhamos em bem e mal traçadas linhas, meu mais completo poema inacabado:

PRAZO

Impossível
terminar o poema nos próximos dias:
falta uma vírgula aqui
aguarda um sentimento ali,
avista-se uma cidade acolá.

E essas correções, dores e risos

costumam demorar
uma vida inteira...

(do livro Poesia Provisória)

terça-feira, 10 de julho de 2012

se todos fossem iguais a vocês

Drummond, Vinicius, Bandeira, Quintana e Paulo Mendes Campos, fotografados por Moacir Gomes, na casa de Rubem Braga, Rio de Janeiro, 1966. Eles foram lá para conversar com um hóspede igualmente ilustre, Pablo Neruda.

Olho imantado essa foto como se olha uma imagem sacra.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

écran

ÉCRAN
(dedicado ao Nirton Venancio)
De Rubens Guilherme Pesenti, São Paulo 
 
 
É bom saber do carinho dos amigos que seguimos abraçando o mundo. 
Grato, querido Rubens.

terça-feira, 15 de maio de 2012

dor

o
     odor
  da dor
    a dor
       dor
              dormido
                     ido
                                 o amor:
                                       morte.

(do livro "Roteiro dos pássaros ")


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

trem da memória (fragmento)


Ah, personagens desse mundo lá de trás,
imaginavam vocês
que
eu, mais do que olhava,
via
fotograficamente
todos
e
tudo isso?


Imaginavam vocês
que minha presença pequena
espionava
todos os rostos
todos os gestos
todos os passos
para
me contar tudo no futuro?

imaginavam vocês
(que
atravessavam corredores
atravessavam ruas
atravessavam dias
e
gargalhavam nas salas
se divertiam nas praças
choravam nos quartos
se entristeciam pela cidade
e
narravam proezas
escondiam verdades
e
calavam)
imaginavam vocês
que
eu tivesse olhos
ouvidos
e chinelos silenciosos
na espreita das portas
e das esquinas?


Hã, imaginavam?


Agora, eu lhes digo
(aos mortos e aos que restaram):
eu sei de tudo.



(Do livro “Trem da memória – um poema”)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

metade

foto Bogdar Jarocki

O que se vê em mim
não é o todo:
escondo gestos.
O que se sabe de mim
(ainda) não é tudo:
escondo datas
Metade que nem eu mesmo sei
mais corrói do que vive e cresce:
e silenciosamente é uma doença
(e não me esquece).

Convivo como caça e caçador
dentro de mim:
uma hora me acho
a outra não me aceita
e sou metade do rosto desenhada
a outra metade desfeita
.



(do livro “Poesia provisória")