segunda-feira, 25 de julho de 2016

escrever e amanhecer

Escrever é se expor muito. Escrever é se expor até quando se esconde, quando se disfarçam em sinônimos feitos e defeitos. Escrever é um perigo. Escrever é uma traição. Escrever é ficar nu em plena praça. Escrever é se encontrar e se perder na mesma via de contramão. Escrever é desenhar símbolos que o cérebro comanda. Escrever é um ato neurológico, mesmo quando levado pela correnteza do coração. Escrever é auscultar sentimentos. Escrever é morrer um pouco e amanhecer na leitura.

domingo, 10 de julho de 2016

ganhando a vida em um domingo

foto Rosângela Fialho

Caminhando certa vez em um domingo chuvoso pela deserta W3 Sul, em Brasília, encontro-me com o poeta Arthur Rimbaud... ele me parou com aquele olhar de absinto e me disse os primeiros versos do poema Canção da mais alta torre, soando lentamente como uma advertência: "por delicadeza / perdi minha vida...". E saiu.

Quando me virei, vi que ainda mancava de seu problema no joelho direito. Sumiu por uma daquelas entradas de uma banca de jornal no meio da quadra.

Ainda extasiado com esse encontro, volto a andar e logo me deparo com Che Guevara acendendo o charuto sob a chuva... Olhou-me com aquele olhar da foto de Alberto Korda, soltou uma baforada no meu rosto, que achei ótimo, e disse: "o poeta ali tem razão, camarada... mas é preciso endurecer, sem perder a ternura...", e continuou andando. Viro-me e alguns passos depois ele para, me olha fixamente, e completa, erguendo o charuto: "jamais!".

Ganhei o domingo. Eu que andava como no filme de Jean-Claude Brialy, Os indiscretos pingos de chuva, me vi Gene Kelly em Cantando na chuva.